Peryllo Doliveira: uma poética do modernismo na Paraíba

O poeta moderno Peryllo Doliveira, autodidata, mulato nascido em Cacimba de Dentro-PB, é apresentado pelo seu conterrâneo, presidente da FUCIRLA-SP, Prof. Dr. Montgômery Vasconcelos, por meio de sua pesquisa O Modernismo na Paraíba.

Peryllo Doliveira: uma poética do modernismo na Paraíba

Resumo

Pesquisa na qual se constatam características do modernismo na poética do mulato Peryllo Doliveira, cacimbense dos mais ilustres e humildes de que se tem notícia por meio das irreverências, assentadas em bases sólidas da tradição oral popular doutros dois conterrâneos seus, também Cacimbenses: Perré e Lapiu. Estes dois saltimbancos cacimbenses são tipos e personagens famosos pelas suas pelejas republicanas e monarquistas, que agradavam imensamente às crianças e às pessoas com mais de 80 anos, nas décadas de 1950-1960. Essas platéias da oralidade popular, assentadas em bases sólidas da polifonia, do dialogismo e discurso social, categorias da literatura carnavalizada de Bakhtin, eram quem lhes assistiam religiosa e diariamente. E assim o faziam deslocando-se por meio duma estranha epifania e profecia, arrombando portas em portais de cena inaugural das feiras cacimbenses, que iam às margens do Rio Curimatau aos píncaros da Serra da Borborema, morada eterna de Jesus Cristo, que segundo Augusto dos Anjos, outro vate e poeta original paraibano, não morreu! Vive em carne, osso e sangue no dorso dessa Serra da Borborema: coração, alma e espírito de sua Velha Paraíba!

Biografia

O poeta do modernismo na Paraíba, Severino Peryllo Doliveira, nasceu na antiga povoação de Cacimba de Dentro, município de Araruna, a 4 de dezembro de 1898. Era filho de Almeno Peryllo de Oliveira e Josefa Maria de Oliveira. Mulato, órfão de pai aos três anos de idade. Morreu solteiro. Nunca frequentou escolas. Aprendeu as primeiras letras, enquanto trabalhava como caixeiro duma mercearia, sozinho e sem nenhuma orientação, o que não o impediu de transformar-se, mais tarde, no grande jornalista, poeta e literato. Iniciou a vida como ator, carreira que seguiu por mera casualidade. Encontrava-se em Araruna uma Companhia de Variedades, um pequeno circo, administrado pela atriz italiana Irene Concepitini; Peryllo sentindo-se atraído pela atriz, integrou-se ao grupo e seguiu à caravana, Brasil afora. Apresentou-se como ator, nesta companhia, em quase todos os Estados do Brasil, tornando-se famoso e requisitado por outras produtoras.

Entre 1913 e 1917 Peryllo Doliveira trabalhou em várias companhias artísticas pelos palcos do Nordeste.

Em 1917, estreou no Teatro São José, no Rio de Janeiro, onde foi trabalhar na Companhia de Brandão Sobrinho. Em 1920, fez uma turnê pelo interior do Brasil desde o Norte de Minas até o Rio Grande do Norte.

Na sua vida sofrida de ator, Peryllo Doliveira trabalhou nos teatros Trianon e República, do Rio de Janeiro, ao lado de artistas como Amalia Capitani, Irene Conceptini, Candida Palace, Ferreira de Souza, Leopoldo Fróes, todos eles, nomes consagrados nos palcos.

Fortuna crítica

Em maio de 1920, Peryllo Doliveira chegou à capital da Paraíba, completamente anônimo. Após três anos de clausura na arte de representar, já instalado e de volta à cena teatral na comédia, tragédia e dramática capital da Paraíba, em março de 1923, apresentou-se no teatro Santa Rosa, no papel principal da peça Água mole em pedra dura…, com sucesso estupendo. Deixando o palco, dedica-se à literatura e ao jornalismo, tornando-se conhecido como um dos maiores incentivadores do movimento de renovação literária do Brasil: o modernismo.

Desde 1922, exercia funções burocráticas na Secretaria Geral do Estado e, a convite do poeta Silvino Olavo, integrou-se à redação de O Jornal, órgão recém-criado. Colaborou, também, em A União e foi redator da Revista Era Nova. A sua produção literária é caracterizada pelo lirismo e por uma profunda melancolia. Publicou: Desconhecida (novela), 1924; Canções que a vida me ensinou (livro de estréia), 1925; Caminho cheio de sol (poesia), 1928; A voz da terra (poema), 1930.

Destarte, até 1923, dedicou-se à vida teatral. Depois, ingressou na imprensa e na vida literária, por meio da qual se tornou conhecido, tendo sido um dos iniciantes, na Paraíba, do movimento literário modernista.

Conseguiu publicar seus primeiros versos na revista Era Nova, periódico que marcou época na vanguarda do movimento modernista e agregava nomes como Américo Falcão, José Rodrigues de Carvalho, José Américo de Almeida, Ademar Vidal, Eudes Barros, Sinésio Guimarães, Silvino Olavo e outros.

Integrou-se ao corpo de auxiliares da revista Era Nova e passou a assinar uma “crônica social” na coluna “Noticiário Elegante”, depois, uma coluna “Notas de Arte”. Escreveu uma série de crônicas intituladas “Cidade dos Jardins”, sob o pseudônimo Paulo Danízio.

A cena inaugural de sua estréia editorial internacional é em 1925, no qual publicou seu primeiro livro Canções que a Vida me Ensinou, em cuja obra, embora moderna, ainda predominava a temática da poesia simbolista. Esse livro trouxe-lhe uma reconhecida versão pro espanhol, editado na Argentina.

Além de ator e poeta, Peryllo Doliveira era pintor e costumava pintar os cenários de seus festivais de artes. No livro Canções que a vida me ensinou, a capa e as ilustrações são do próprio autor.

Em 1927, viajou pro Rio de Janeiro onde foi recebido por seu conterrâneo de Araruna, Pereira da Silva, por Ademar Tavares, Theo Filho e outros do mundo literário carioca.

De volta à Paraíba, fez excursão ao Norte recebendo no Pará uma verdadeira consagração às suas qualidades de poeta e ator. Com o mesmo êxito foi recebido no Amazonas.

Em 1928, publicou Caminhos Cheios de Sol, talvez, sua melhor obra, e onde se mostra definitivamente alinhado ao espírito renovador da literatura brasileira.

Em fins de 1928, o poeta já se sentia doente; a tuberculose minava-lhe o peito. Tentando melhoria pra sua saúde transferiu-se, com seu modesto emprego, da Secretaria de Administração do Governo à Mesa de Rendas de Monteiro.

Em 1929, escreve A Voz da Terra, dedicado ao presidente João Pessoa, seu último trabalho.

Em junho de 1930, já bastante doente, deixa o trabalho e vem morar em companhia de sua genitora. Às primeiras horas do dia 26 de agosto de 1930, aos 32 anos, faleceu em sua residência, à avenida 12 de outubro, no bairro de Jaguaribe.

Alguns poucos amigos e vizinhos acompanharam Peryllo ao cemitério Senhor da Boa Sentença, onde falou na despedida o poeta Leonel Coelho.

Alguém escreveu um poema

(…)

E tiro dos três sangues tristes
que ardem no meu pensamento
a minha canção:
– Mulheres do Norte.
Bahia Recife Pará
oh lindas patrícias
nem sei onde devo ficar.
Tão grande este Brasil dos meus pecados!
(Brasil sem modos morenos piegas
– maxixes modinhas pastoris catimbó.
Brasil valentão ciumento
que por qualquer coisa
catuca o amor e o destino com faca de ponta.)
– Morenas do Norte
Natal Paraíba Ceará
– não olhe pra mim desse modo meu bem.
Mas que boniteza de corpo
que seios redondos
que ancas que andar!
Nem pisa no chão!
E o que mais me machuca meu Deus
é o olhar que ela tem…
(“Teus olhos são negros, negros
como as noites sem luar…”)

(…)

[DOLIVEIRA, Peryllo. “Alguém escreveu um poema” In: A voz da terra. Parahyba: Imprensa Official, 1930, 46p.]

Considerações finais

Eis outro poeta mulato e moderno Peryllo Doliveira, autodidata nascido em Cacimba de Dentro-PB, apresentado pelo seu conterrâneo, presidente da FUCIRLA-SP, Prof. Dr. Montgômery Vasconcelos, por meio de sua pesquisa O Modernismo na Paraíba, de saída instaurando-se na cena inaugural da poética doliveiriana.

O modernismo na Paraíba enquanto escola literária, movimento de arte, permeando a poética Cacimbense, está marcado na escritura definitiva desse poeta autodidata e mulato Peryllo Doliveira. Poeta ímpar este que chegou a receber e recepcionar, ainda no meio do caminho, o precursor do modernismo no Brasil, Mário de Andrade, em visita àqueles amigos seus José Américo de Almeida, Joaquim Inojosa e outros também propagadores dessa nova corrente no Estado da Paraíba e Norte do país. Nem é à toa que os escritores João Lélis, Eudes Barros, Silvino Olavo, Celso Mariz, Ascendino Leite, Eduardo Martins e tantos outros biografam Peryllo Doliveira como sendo o poeta do modernismo na Paraíba.

Prof. Dr. Montgômery Vasconcelos

[Presidente da Fundação Científica Reis de Leão e das Astúrias-SP]